Além das tarifas: como as empresas brasileiras devem se posicionar na nova ordem comercial

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Depois dos anúncios da política tarifária do governo americano, o barulho de portas sendo fechadas pôde ser ouvido por todo o globo. E se o mundo fecha as portas do comércio, a saída para as empresas brasileiras deve ser proativamente abrir novos acessos. Com perfil geopoliticamente mais neutro, o Brasil desponta como parceiro confiável e competitivo neste momento em que novas alianças e relações comerciais estão sendo firmadas.

Ainda é difícil prever como ou quando o cenário se resolverá – ou mesmo quais setores serão prejudicados ou favorecidos. Parece seguro afirmar, contudo, que o distanciamento da relação comercial entre China e Estados Unidos pode aproximar as duas potências do Brasil. Mais do que isso. Além das oportunidades de curtíssimo prazo decorrentes do redirecionamento imediato da demanda, há uma abertura para aproveitar o redesenho do mapa do comércio global e se inserir de uma nova forma nas cadeias de produção.

Oportunidades para substituir importações americanas na China

Do lado chinês, as restrições impostas às importações de energia e produtos agrícolas americanos abrem espaço para o Brasil ampliar sua presença em mercados altamente relevantes, representando uma oportunidade de até 12,5 bilhões de dólares. Produtos comosoja, petróleo, carne bovina, cereais e algodão já vêm apresentando crescimento consistente de exportações para a China,1 e a intensificação das tarifas pode acelerar essa tendência (Quadro1). O agronegócio brasileiro, competitivo graças à escala e à tecnologia, está bem-posicionado para preencher o espaço que pode ser deixado pelos Estados Unidos. Em março deste ano, já se observou um crescimento de embarques para a China1, e o prêmio da soja em Paranaguá descolou-se do preço de referência de Chicago. Importante também considerar as consequências indiretas para o Brasil: a maior atratividade da exportação de grãos pode afetar a oferta de farelo de soja (para ração animal), óleo de soja ou mesmo carne para o mercado doméstico. Como visto em safras passadas (como 21/22 e 22/23), isso pode pressionar a inflação de alimentos.

Oportunidades para substituir importações chinesas nos EUA

Para os Estados Unidos, o potencial para as exportações brasileiras é menor, de até 1,1 bilhão de dólares, com destaque para artigos de madeira, produtos químicos orgânicos e calçados (Quadro 2).

No contexto de substituição de produtos chineses, as empresas americanas devem buscar diversificar seus fornecedores e podem encontrar no Brasil uma combinação favorável de qualidade, capacidade industrial e proximidade geográfica. As oportunidades criadas podem variar por produto (e subproduto) devido às condições tarifárias e eficiência brasileira.

Sem a parceria comercial com a China, existe o risco de os EUA passarem por um desabastecimento de produtos com alta concentração de importação do país asiático. Para as empresas preparadas para suprir a demanda no curto prazo, esse cenário abre a oportunidade de firmar acordos em níveis menos competitivos do que os anteriores chineses.

Para capturar essa oportunidade, empresas brasileiras devem atentar-se a três aspectos- chave: (a) desenhar uma estratégia de crescimento de forma granular, (b) pensar em potenciais parceiros locais para maximizar os canais na China e EUA e (c) manter o foco na produtividade para sustentar a vantagem competitiva. Com isso, o Brasil pode consolidar sua posição como fornecedor estratégico para dois dos maiores mercados do planeta

Riscos e oportunidades do aumento de importados no Brasil

A disputa tarifária pode resultar em um maior número de produtos chineses sendo exportados para o Brasil, caso eles deixem de ser competitivos nos EUA. Impactos serão diferentes por setor e seus subprodutos, como nos exemplos selecionados de (a) bobina de aço laminada a quente, (b) veículos elétricos e (c) vestuário (Quadro 3).

Atualmente, a bobina de aço laminada a quente (hot-rolled coil) possui custo de importação da China, em média, 7% menor do que o custo de produção local. Essa diferença favorece a importação de aço chinês, que já vem crescendo nos últimos anos. Segundo dados do Instituto Aço Brasil, foram importados 1,096 milhão de toneladas de produtos siderúrgicos da China no primeiro trimestre do ano, um aumento de 57,8% em relação ao mesmo período de 2024.

Um eventual aumento de tarifas para o aço chinês, conforme pleiteia a indústria brasileira, poderia levar as empresas chinesas a visar apenas ao breakeven na margem de contribuição (receita menos custo variável) em produtos exportados para o Brasil, ganhando vantagem competitiva de 4 pontos percentuais adicionais no preço do aço.

Por outro lado, o mercado de veículos elétricos (EVs) tem custo de produção local menor que o de importação, quando consideradas a logística de importação e as tarifas aplicadas a EVs importados – o que corrobora com o atual cenário de empresas chinesas abrindo fábricas no Brasil (como a BYD em Camaçari e a GWM em Iracemápolis).

Para vestuário de algodão, o cenário de custos é similar ao de EVs, com custo de produto importado 28% maior do que o de produtos locais (como as calças de sarja), principalmente devido à “taxa das blusinhas” – taxação em 20% de compras internacionais até US$50 –, indicando um risco baixo de redirecionamento em massa de produtos chineses para o Brasil. No entanto, é importante notar que as importações podem variar de acordo com o tipo e a qualidade da peça de vestuário devido à capacidade produtiva e tecnológica brasileira versus a da China e outros países asiáticos. Esse pode ser o caso dos itens de tecido sintético, cuja importação brasileira da China é quatro vezes maior do que a de itens de tecido de algodão2.

Também pode haver redirecionamento de produtos americanos, como gás natural e aeronaves, para a América Latina. Mas, em relação ao escoamento de produtos chineses, o fluxo americano é potencialmente menor. Independentemente da origem, é essencial que a indústria brasileira mapeie o impacto das importações ao longo da cadeia de valor.

Em termos de oportunidade, o sourcing global poderá ser alavancado. Com a possível sobrecapacidade mundial de muitos insumos e equipamentos, os produtores brasileiros poderão diversificar sua base de fornecimento e modernizar seu parque fabril. Quanto aos riscos, a substituição de produtos locais por importados se apresenta como o maior deles, sobretudo para os setores menos competitivos. Para não verem sua participação encolher, é de suma importância ter uma visão completa da cadeia – muitas vezes, a substituição da produção local pela importação ocorre uma ou duas etapas downstream. Foco em produtividade, racionalização de custos e até mesmo potenciais M&As serão fundamentais para enfrentar a possível “invasão”.

Novos corredores globais e a “glocalização”

À medida que cadeias globais integradas são desafiadas, surge como resposta o conceito de “glocalização” – produzir localmente em diferentes países para atender a mercados locais. Essa tendência vem ganhando força em diversos setores, reduzindo a dependência de cadeias de suprimentos longas e vulneráveis.

As empresas brasileiras, historicamente tímidas em produção internacional, têm agora a oportunidade de se internacionalizar de forma estratégica. Elas podem expandir sua capacidade de produção para mercados em franco crescimento – como a Índia, a América Central e o Sudeste Asiático – e para outros grandes mercados na América Latina – como o México –, ficando mais próximas dos consumidores finais.

A Índia possui a maior população do mundo, com taxa de crescimento do PIB superior a 6,5% ao ano. na última década3, e uma diversidade de setores (tecnologia, computação, açúcar & etanol etc.) que pode trazer bastante complementaridade à economia brasileira. O Sudeste Asiático – puxado por Vietnã, Singapura, Indonésia e Filipinas – também teve crescimento expressivo nos últimos dez anos devido ao aumento da industrialização, da urbanização e da expansão do setor de serviços.

Os mesmos fatores foram determinantes para o crescimento de países da América Central em 6,0% ao ano – caso da República Dominicana e Costa Rica. Juntamente com o México, esses países são destinos de nearshoring para manufaturas destinadas aos EUA, uma prática que pode se intensificar a depender do cenário de tarifas internacionais.

Ao combinar expertise industrial com inserção local, o Brasil poderá não apenas defender seus mercados, mas também ganhar protagonismo em um mundo cada vez mais descentralizado. Para capturar as oportunidades, novos corredores globais além das potências China e EUA deverão ser desenvolvidos e desbravados pelas empresas brasileiras.

É tempo de abrir outras portas

As incertezas que as disputas comerciais trouxeram recentemente não têm data prevista para acabar. Ficar parado “esperando a poeira baixar” é uma estratégia insuficiente. Os riscos e as oportunidades que se apresentam exigem que as empresas sejam proativas na adaptação ao novo cenário. Entre as mais ágeis, são dois os horizontes de atuação observados.

No curto prazo, iniciativas de otimização devem ser priorizadas. As empresas podem criar nerve centers para (a) revisar operações de transporte a fim de minimizar impacto logístico, (b) engajar fornecedores visando evitar atrasos em portos e quebras de estoques, (c) gerenciar tarifas e (d) otimizar a operação comercial por meio da revisão do portfólio e da estratégia de precificação, por exemplo.

No médio prazo, é preciso implementar alavancas estratégicas: (a) expansão internacional, incluindo novas rotas, (b) revisão do footprint de produção (p.ex., mais próximo dos mercados finais, maior circularidade) e (c) otimização da cadeia de suprimentos (p.ex., busca de fornecedores locais ou de regiões com tarifas mais baixas).

Quando o mundo parece fechar as portas do comércio, a saída pode ser proativamente abrir outras.

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